Diretor deixa a ANP com críticas à falta de planejamento estratégico

07-01-2011 16:54

Cláudia Schüffner | Do Rio

No dia 15, Victor Martins deixa uma das diretorias da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e, antes de sair do cargo, abandonou a usual discrição e fez criticas à atual gestão do órgão. Com a saída do irmão do ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Franklin Martins, duas diretorias da ANP precisam ser preenchidas. Já existe uma vaga sem indicação desde a saída de Nelson Narciso, que deixou a agência em junho. Permanecem nos cargos Magda Chambriard, Allan Kardec Duailibe Barros Filho e o próprio diretor-geral, Haroldo Lima.

Na última entrevista antes de deixar o cargo, Victor Martins diz que a agência teria de ter instituído a regulamentação dos procedimentos para a cessão de direitos de áreas exploratórias e de campos já em produção, chamados na indústria de "farm in" (entrada) e "farm out" (saída).

"Com a ausência de leilões anuais, a única forma de acesso que restou [para alguém se tornar sócio de um bloco ou área] foi a aquisição de direitos de algum concessionário. Esse é um processo que envolve somas astronômicas. Cito sempre o exemplo de uma área licitada pela ANP por R$ 4,693 milhões que, depois de mudar de mãos várias vezes, está tendo 40% dos seus direitos transferidos para um grupo chinês por US$ 3,07 bilhões", diz Martins.

Ele se refere à venda de uma participação no campo Peregrino pela norueguesa Statoilpara a chinesa Sinochem. O campo vai entrar em produção na bacia de Campos no primeiro trimestre deste ano e será o maior da Statoil fora da Noruega. O bloco BM-C-7, onde mais tarde foi encontrado o campo Peregrino, foi leiloado no ano 2000, na segunda rodada de licitações da ANP, e adquirido pela PanCanadian (Encana).

Em 2004, a Kerr- McGee(que depois se fundiu com aAnadarko) comprou 33,33% da área. Um ano depois, aumentou essa fatia para 50%, se tornando operadora. Um mês após, a norueguesa Hydroentrou na sociedade, com 50%. A Hydro se fundiu com a Statoil, que depois comprou a participação da Anadarko em Peregrino, para, no ano passado, vendê-la para a Sinochem.

"Os investimentos e trabalhos realizados elevaram o valor da área de R$ 5 milhões para US$ 8 bilhões. Não existe nada errado nisso, é mérito de quem trabalhou de forma competente. Mas a sociedade deve estar devidamente informada", diz Martins.

No período de dez anos, a área mencionada por Martins valorizou-se em 299.099,07% em dólar, considerando o preço inicial pago pela concessão e o valor da venda de participação minoritária para os chineses, que entraram quando a área já está sendo preparada para iniciar a produção.

Martins também critica o fato de a ANP não ter um planejamento estratégico. "Durante o período que atuei na ANP não foi desenvolvida nenhuma iniciativa de planejamento global de suas atividades. Acho inaceitável a inexistência de planejamento estratégico. Mas aprendi com a vida que as vezes o inexplicável é auto-explicativo", afirma.

O mandato de Martins não foi tranquilo. Foi a partir de sua análise que a Petrobrasteve de desembolsar R$ 2,06 bilhões a título de pagamento retroativo de Participação Especial sobre a produção do campo de Marlim, depois de um acordo que evitou o pagamento de R$ 3,4 bilhões. Em seguida ele enfrentou um processo onde foi acusado, junto com a mulher, de ajudar prefeituras interessadas em receber dinheiro de royalties do petróleo por meio de sua empresa de consultoria. O processo, que ainda corre em segredo de Justiça, teve início a partir de um falso dossiê atribuído à Polícia Federal e hoje tem como réu um ex-servidor da ANP, Wilson Pinna, que atuava no setor de inteligência da agência.

Martins também admite divergências com colegas da agência reguladora, que lhe renderam derrotas nas reuniões de diretoria, inclusive em questões envolvendo prazos exploratórios e o Programa de Monitoramento de Qualidade de Combustíveis e aquisição de dados. Entre os pontos positivos, ele considera um motivo de orgulho ter ajudado a instalar uma cultura de trabalho em grupo na agência, que reuniu servidores de diferentes áreas para elaborar e revisar normas, o que, segundo ele, aumentou a qualidade e diluiu o alcance do que chama de "ilhas internas de poder". Menciona ainda o novo contrato de concessão e o novo edital das próximas rodadas, a regulamentação da cláusula de investimentos (cerca de R$ 700 milhões por ano) na área de pesquisa e desenvolvimento "mesmo que com sete anos de atraso", a regulamentação da individualização da produção (ainda não aprovada pelo colegiado da agência) ,e a fiscalização online da produção brasileira de petróleo e gás natural.

 (VALOR ECONÔMICO; ED: 26669; POLÍTICA; ANP)

Contacto

Clipping

Av. Prof. Carlos Cunha, S/N, Edifício Nagib Haickel - Calhau.

(98) 3235-8621