Incentivo impulsiona zona franca no 'fim do mundo'

07-01-2011 16:53

Daniel Rittner | De Buenos Aires

No verão, os ventos chegam a 100 quilômetros por hora. No inverno, a temperatura fica abaixo de -10° C e o sol costuma aparecer seis horas por dia. O clima hostil ajuda a explicar por que menos de 15 mil pessoas habitavam a Terra do Fogo na década de 1970, quando a Argentina e o Chile estiveram à beira de uma guerra pela soberania de três ilhas no Canal de Beagle, na área mais austral de todo o continente americano.

Para estimular a ocupação pacífica do território, que os próprios argentinos chamam de "fim do mundo", o governo mirou o exemplo da Zona Franca de Manaus e também resolveu conceder incentivos tributários, atraindo indústrias de eletrodomésticos. A população cresceu e já supera 130 mil habitantes.

Mas o parque industrial da Terra do Fogo nunca havia conseguido realmente enfrentar a concorrência dos importados e viu o fechamento de numerosas empresas nos tempos do peso equivalente a um dólar. Hoje, aos 38 anos de idade, vive o auge de sua história.

Mais de 2 mil empregos foram criados entre junho de 2009 e junho de 2010. Há investimentos programados de US$ 120 milhões, segundo o governo. De quase zero, há dois anos, a produção de telefones celulares já chegou a 2,7 milhões de aparelhos e atendeu 29% do consumo doméstico até outubro. Motorola, Nokia, LG, Samsunge Alcatel começaram a montar seus aparelhos na Terra do Fogo. A brasileira Positivo Informáticaacaba de anunciar um investimento de US$ 8 milhões, em parceria com a argentina BGH, para produzir computadores de mesa, notebooks, netbooks e tablets.

No ano passado, apesar das advertências de câmaras empresariais sobre a alta de preços aos consumidores finais, o Congresso aprovou um projeto de lei enviado pela presidente Cristina Kirchner para retirar a isenção de impostos internos (de 26%) e dobrar o IVA (de 10,5% para 21%) sobre vários produtos eletrônicos de consumo. Apenas as mercadorias provenientes da Terra do Fogo mantiveram os benefícios. Dentro da estratégia do governo de fortalecer a zona industrial, foram aplicados valores-critério (preços de referência para combater produtos subfaturados) e licenças não automáticas para desestimular as importações. Esse rol de medidas se somou às isenções tributárias existentes há três décadas.

Hoje, de fato, virou comum entrar em qualquer rede varejista da Argentina e se deparar, na vitrine, com celulares, televisores, aparelhos de TV e até computadores "made in" Terra do Fogo.

"Nos últimos anos, sem dúvida, o Estado teve uma postura muito mais industrialista", afirma Diego Teubal, diretor corporativo da BGH, uma empresa de capital argentino instalada na Província desde 1978. Sua história ilustra bem os altos e baixos da zona industrial patagônica.

A abertura comercial dos anos 90, com a paridade cambial um por um entre o peso e o dólar, barateou demais as importações e fragilizou as companhias nacionais. Em 2002, no auge da crise econômica, a BGH deu férias coletivas aos seus empregados - não por alguns dias ou semanas, mas por 15 meses. Os funcionários da área administrativa, em Buenos Aires, deixaram de trabalhar às sextas-feiras e tiveram salários reduzidos. A empresa chegou a ter faturamento negativo - a produção era nula e equipamentos vendidos eram recolhidos por inadimplência.

Hoje a BGH fatura US$ 640 milhões e seus negócios crescem rapidamente. Com a nova lei sancionada por Cristina Kirchner, avalia Teubal, não só melhorou a competitividade dos eletrônicos fabricados na Terra do Fogo como houve também uma atualização dos produtos beneficiados com incentivos fiscais.

Na comparação com os picos alcançados em 2008, a BGH produzirá neste ano 11% mais aparelhos de ar condicionado, 17% mais fornos de micro-ondas e 87% mais televisores (de tubo e LCD). De 129 mil celulares há dois anos, serão 700 mil em 2010. Para 2011, a expectativa é chegar a 2 milhões de unidades, que sairão da fábrica com as marcas Motorola, Huaweie ZTE (na linha de eletrodomésticos usa-se marca própria). A produção de monitores para computador e televisores de LED começou do zero. Neste mês, foram anunciados investimentos no valor de US$ 50 milhões. "As mudanças tributárias nos impactaram muito positivamente", comemora o diretor. "E ninguém na Terra do Fogo pode se queixar, a não ser que esteja cego."

Outras companhias levaram à ilha patagônica a produção de notebooks, netbooks e set top boxes (as caixinhas conversoras de sinais analógicos para TV digital). A Kodakfechou parceria com a indústria local Newsanpara iniciar ali a fabricação de suas duas câmeras digitais mais vendidas na Argentina. Serão 300 mil aparelhos em 2011. "Foi uma decisão baseada na nova lei", admitiu Héctor González, diretor-geral da Kodak no país.

Consultado pela reportagem do Valor, o Ministério da Indústria disse que o aumento dos incentivos tributários à Terra do Fogo foi "um primeiro passo em direção à equiparação no tratamento fiscal da Província com Manaus, as maquiladoras mexicanas, o Sudeste Asiático e zonas francas industriais da China."

 (VALOR ECONÔMICO; ED: 26669; ESPECIAL; VALE DO FOGO)

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