O dilema da energia nuclear no Brasil

04-01-2011 16:38

Pedro Carajilescov, João Manoel Losada e Eloi Fernandez y Fernandez

O Intergovernmental Panel for Climate Changes (IPCC) tem indicado que a produção de energia deverá quintuplicar até 2050, em vista do crescimento populacional do mundo. Esse fato, associado às preocupações com as emissões de gases poluentes, tem conduzido ao renascimento da utilização de usinas nucleares para geração elétrica. Existem atualmente no mundo 53 usinas em construção e 135 encomendas firmes, além de outras 295 usinas planejadas até 2030. Na América Latina, no momento, apenas Brasil, México e Argentina possuem reatores nucleares de potência enquanto Chile, Equador e Venezuela revelaram, recentemente, que trabalham em projetos de construção de usinas nucleares. No Brasil já se trabalha com a perspectiva de instalação de quatro novas usinas de 1.000 MW, além de Angra 3, até 2025.

Entretanto, o uso de energia nuclear não se restringe apenas à geração de energia elétrica. Reatores nucleares são utilizados em embarcações militares como submarinos e porta-aviões, além da produção de radioisótopos para a indústria e a medicina e, ultimamente, eles vêm sendo considerados, também, para a propulsão de navios mercantes.

O principal obstáculo ao uso de reatores nucleares para geração de energia ou para propulsão consiste no custo de capital da instalação, apesar da grande economia em combustível proporcionada. No entanto, no longo prazo, a redução das emissões poluentes pode tornar econômica essa opção. A maioria dos países que detém a tecnologia nuclear vem procurando reduzir o tempo de construção das usinas com o intuito de reduzir esses custos de capital, utilizando técnicas de modularização, serialização da produção de sistemas e componentes e melhorando a logística de montagens das usinas.

França, Alemanha, Japão e Rússia têm construído e iniciado a operação de reatores PWR, em seus territórios, em média, em 60 a 80 meses, que são inferiores ao tempo médio dos demais países do mundo, incluindo os EUA. Em países que não detém a tecnologia nuclear, dados da International Atomic Energy Agency (IAEA) demonstram que a construção de reatores leva, em média, dois anos a mais.

Na maioria dos casos, em países sem tecnologia nuclear, os vendedores da usina são responsáveis pelo fornecimento da ilha nuclear, chamada de Nuclear Steam Supply System (NSSS), e pelo layout da planta, o que representa aproximadamente 20% do custo total do capital. Os custos restantes são despendidos em empresas de engenharia e arquitetura e em fornecedores de sistemas e componentes. A ausência de companhias com capacidade de projeto, fabricação e prestação de serviços de engenharia acaba exigindo a contratação de empresas do exterior e a realização de importações.

Em geral, isso resulta em negociações que consomem tempo, extensões de prazos de entrega, dificuldades com a qualidade, transporte de equipamentos e outros problemas similares. Isso explica porque alguns vendedores de usinas têm procurado expandir suas responsabilidades para 50% ou 60% do orçamento total da obra, a fim de ter maior controle sobre a execução da planta.

Se considerarmos que uma parcela significativa do custo de capital é despendida nos primeiros anos da construção de uma usina, digamos, de 1.000 MWe, ao custo aproximado de US$ 5 mil/KW, o acréscimo de dois anos no tempo da obra pode representar um encargo financeiro acima de 10% do custo de capital, ou seja, algo em torno de US$ 500 milhões.

Esse é o custo direto da falta de domínio da tecnologia de construção de reatores nucleares. Em um mercado competitivo, esse custo seria agravado pelo custo indireto de reposição da energia que, eventualmente, já houvesse sido negociada.

Essa simples constatação nos leva a um dilema sobre qual seria o melhor caminho a ser seguido pelo Brasil: devemos continuar como compradores de tecnologia nuclear externa, correndo o risco de desperdiçarmos US$ 500 milhões a cada 1000 MWe instalados, ou aproveitamos a oportunidade fazendo um esforço de desenvolvimento de nossa própria tecnologia, utilizando esses recursos que, fatalmente, iriam para o ralo? Pode-se observar que essa escolha já foi feita pela maioria dos países em desenvolvimento, anos atrás. A Coreia do Sul é, hoje, uma fornecedora de reatores nucleares e, de todos os países que compõem o Bric, o Brasil é o único que não possui tecnologia própria de projeto e construção de usinas nucleares, apesar de seu domínio do ciclo de combustível.

No 1º Encontro de Negócios de Energia Nuclear, realizado recentemente na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), ficou claro o interesse dos empresários de participar do setor nuclear, embora o Art. 177 da Constituição Federal, em seu inciso V, imponha algumas restrições a essa participação. Entretanto, elas não se aplicam à participação da iniciativa privada no desenvolvimento de tecnologia de geração nuclear. Uma parceria entre o estatal e o privado pode ser o caminho para o domínio da tecnologia nuclear, nos moldes da parceria entre o BNDESe a Vale, que resultou na constituição da VSE - Vale Soluções em Energia, em São José dos Campos, destinada ao desenvolvimento de tecnologia de turbinas e motores de grande porte.

No caso nuclear, poder-se-ia constituir uma empresa privada, em associação com o setor estatal, para o desenvolvimento de um reator de pequeno porte, na faixa de 200 MWe a 300 MWe, de forma autônoma ou em parceria com outro país, com a promessa firme, por parte do governo, de aquisição de 4 ou 5 usinas novas, após a conclusão do projeto, que poderiam ser operadas pela Eletronuclear. Essa aquisição garantiria o investimento privado no desenvolvimento tecnológico.

Esse seria um passo estratégico para o Brasil, com possibilidade de grandes retornos financeiros, no médio prazo, além de viabilizar sua autonomia nas áreas de geração elétrica e propulsão e de transformá-lo em fornecedor de tecnologia para outros países de economias menores. Sem dúvida, o mercado nuclear mundial é imenso e deverá perdurar por décadas.

Pedro Carajilescov, é professor da Universidade Federal do ABC

João Manoel Losada Moreira é professor da Universidade Federal do ABC

Eloi Fernandez y Fernandez é professor da PUC-Rio.

 

(VALOR ECONÔMICO; BRASIL; ENERGIA)

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