Portos e meio ambiente

09-02-2011 15:13

 

Conexões entre portos, estradas, ferrovias e aeroportos constituem um dos pilares da riqueza econômica de uma nação. Não por outra razão, a capacidade de distribuir cargas está intimamente conectado à integração regional e internacional. Entre 2001 e 2008, antes da crise internacional chegar com força ao Brasil, o comércio exterior do país passou de US$ 114 bilhões para US$ 371 bilhões.

Apesar disso, o Brasil enfrenta problemas crônicos de infraestrutura, em particular portuários, chegando-se a cogitar na criação de um ministério específico para o setor. A reforma do setor portuário foi iniciada pela Lei 8.630/93, que visou solucionar os altos custos e falta de competitividade.

Mas a nova regulamentação não contemplou com detalhes as questões ambientais relacionadas à atividade portuária - poluição, ruído e movimento de solos, por exemplo - e como construir suas salvaguardas.

A preocupação ambiental somente foi contemplada perifericamente pela via que Jorge Werneck Vianna denominou "judicialização" da política pública, pelas mãos do Ministério Público. A regulação dos portos terminou, assim, por desconhecer que normas ambientais existem para proteção da saúde humana e de recursos naturais que pertencem a todos. Marginalizada a preocupação, poucos portos dispõem de unidades ambientais, pessoal qualificado e metodologias apropriadas para tratar da questão.

No Brasil, a discussão contemporânea sobre meio ambiente enfatiza principalmente dois temas, ambos críticos mas, em geral, abordados desconectadamente.

A natureza do primeiro é ambiciosa - mudança climática. Ela é ambiciosa porque mudança climática relaciona-se com macroprocessos tão numerosos que estão fora do controle das pessoas comuns. Pessoas comuns não sabem construir portos, desenhar estradas, aumentar a oferta de voos sem queimar combustível insustentavelmente ou planejar a ocupação do solo.

O segundo tema é modesto, refletindo ações que afortunadamente estão ao nosso alcance. Contudo, elas parecem frustrantes, uma espécie de tragédia dos comuns, já que seus efeitos são praticamente invisíveis a curto prazo, apesar de sua relevância: reciclar papéis, fechar a torneira enquanto lavamos os dentes, recusar sacolas plásticos e cuidar de espécies em extinção.

Outra característica da discussão no Brasil é a de que o meio ambiente tende a ser tratado como um tema especializado e não setorialmente integrado - como se existissem, por exemplo, especialistas em estradas e especialistas em questões ambientais em estradas - como se fora possível construir uma casa sem tijolos.

As salvaguardas ambientais influenciam o aproveitamento da energia e a competitividade

Assim, setorialistas ignoram e frequentemente tratam como obstáculo e não como uma situação de "ganhar ou ganhar" o confronto com possíveis externalidades ambientais: sim, mudanças climáticas são o resultado de uma ave não protegida, de uma árvore derrubada, de água desperdiçada, de papel não reciclado, de queimadas desavisadas, mas sobretudo do desconhecimento - ou desdém - que analistas e quem está no comando demonstram em suas propostas de políticas públicas.

A construção ou melhoria de portos deve enfrentar desafios ambientais amplamente constatados não só para fazê-los eficientes como para tornar-nos mais saudáveis.

Um dos desafios é avaliar a ocupação de solos na construção de novos portos, na expansão dos existentes ou na expansão de empreendimentos ao seu redor - iniciativas que podem levar à destruição do de dunas, algas ou causar distúrbios na flora e fauna. Há também problemas relacionados à questão de remoção de material durante a aproximação de embarcações, o que pode causar toxidade química, aumento da sedimentação suspensa, desprendimento de materiais orgânicos e nutrientes e contaminação acidental.

Também devem ser levados em conta questões como a manutenção do solo marítimo em sua largura e profundidade de forma a permitir a aproximação segura dos navios; o tratamento de dejetos e líquidos perniciosos à saúde, lixo e esgotamento; a poeira provocada pela abertura de cargas, que pode causar impacto na saúde das pessoas e afetar a qualidade do ar; o ruído excessivo e seus impactos sobre a saúde e a vida aquática; a degradação da qualidade do ar por emissões gasosas ou sólidas ou escapamentos; eventuais vazamentos de combustível e seus efeitos sobre a qualidade da água e do ar; transporte inseguro de cargas perigosas; e descargas de materiais utilizados como água contendo detergente ou material de limpeza.

Tais desafios não significam que portos - estradas, ruas, túneis, saneamento ou usinas - não devam ser construídos. Mas significam que devem ser enfrentados quando diagnósticos a seu respeito forem realizados e política sobre o setor implementadas.

Hoje é inadmissível que se aceite diagnósticos ou propostas de políticas que não contenham salvaguardas ambientais. As salvaguardas não apenas constituem um direito humano, mas afetam o ciclo de inovações, o uso inteligente de insumos e matérias primas, racionalidade no uso e aproveitamento de energia e competitividade.

Afinal, estima-se que os benefícios da regulação da composição ar, estocagem e retenção de água e nutrientes, ciclos de temperatura, hidrológicos e de precipitação, remoção e decomposição de dejetos e proteção do habitat - todos eles relacionados à atividade portuária - poderiam significar internacionalmente uma poupança média de US$ 33 trilhões.

Maria-Valéria Junho Penna é cientista política; professora da UFRJ; ex-cientista social líder no Departamento de Desenvolvimento Sustentável para América Latina e Caribe do Banco Mundial.

 

 

(Fontes: VALOR ECONÔMICO, OPINIÃO)

 

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